Direto de Honduras

Achei muito boa a entrevista (por e-mail) com o repórter brasileiro Rodrigo Lopes em Honduras feita pra Comunique-se. Deu pra sentir bem o clima tenso que ainda está por lá, e como um jornalista se “sente bem” exatamente nesses lugares…lembro de ter ouvido há um tempo atrás não sei em qual situação, de que o jornalista está sempre esperando uma tragédia pra ter trabalho, na verdade não é isso. Um jornalista só quer estar sempre no local e na hora exata que alguma coisa esteja acontecendo, seja ela boa ou má.

Notícia?? Corre lá jornalista!!
Notícia?? Corre lá jornalista!!

Honduras entrou no noticiário das redes brasileiras de televisão por causa desse golpe, que pelo jeito ainda vai levar um certo tempo pra acabar, infelimente. Sou completamente a favor da democracia, ainda mais nos países latinoamericanos que tanto já sofreram pela falta dela… Viva la democracia!! E que Honduras e seu povo escreva novas páginas da sua história.

Suerte Honduras!
Suerte Honduras!

Entrevista com Rodrigo Lopes:

C-se – Antes de tudo, uma dúvida: você enfrentou algum problema para entrar no país?
Rodrigo –
Desde que o Brasil rompeu as relações diplomáticas com Honduras e retirou seu embaixador do país, o Itamaraty passou a exigir visto para a entrada de hondurenhos em nosso território. Assim, baseado na reciprocidade o governo hondurenho, do Roberto Micheletti, passou a exigir visto para entrada de brasileiros aqui. Saí de Porto Alegre sem visto. Cheguei em El Salvador e fui direto para a embaixada hondurenha. Lá, havia um clima de expectativa muito grande porque não sabia como o governo Micheletti estava tratando os jornalistas. Apesar da tensão, o visto saiu em uma hora. Aluguei uma van junto com colegas da Globonews e TV Brasil para irmos até a fronteira com Honduras. Foi uma vigem muito, mas muito tensa, sobretudo porque estava chovendo e era noite. Na fronteira, os guardas fizeram operação padrão: revisaram passaportes, demoraram no atendimento, mas deixaram passar. Trocamos para dois carros, de dois motoristas hondurenhos que já nos esperavam na fronteira. Viajamos mais quatro horas até Tegucigalpa. Passamos por sete barreiras policiais. Na última delas, fomos hostilizados por um oficial, que nos interrogou se sabíamos o que o “governo Lula estava fazendo com Honduras”, etc… Depois de muita conversa e explicações, ele liberou a passagem. Chegamos a Tegucigalpa com a cidade sob toque de recolher – vazia, ninguém nas ruas.

C-se – E para entrar na embaixada. Das notícias que chegam aqui, imagino que o prédio esteja cercado por militares. Como fez para furar o bloqueio?
Rodrigo – Há barreiras militares em todos os acessos à rua da embaixada. Desde o início, a entrada na embaixada era o grande desejo de todos os correspondentes que estavam aqui. Na entrevista do Micheletti com os brasileiros, pedimos ao presidente que liberasse o acesso. Ele disse que liberaria, desde que o chanceler Celso Amorim enviasse uma carta a ele assim solicitando. Era uma armadilha: o que ele estava fazendo era atrair o governo brasileiro que, ao enviar uma carta, estaria reconhecendo seu governo – o que o Brasil não admite. Fui a chancelaria e passei o sábado lá, em vão. Baixaram as medidas que restringem os direitos constitucionais, e a situação ficou pior ainda. Mas consegui uma fonte com alta influência política e no meio militar. Assim, consegui na semana passada romper o cerco e me aproximar da representação brasileira. Mesmo assim, quando já estava na frente da embaixada, os policiais vieram atrás de mim, dizendo que eu não poderia estar ali. Mas a porta da embaixada já estava aberta, e eu, do lado de dentro. Não tinha como me tirarem mais. Fui o segundo repórter de um jornal brasileiro a entrar – e o primeiro de rádio (Rádio Gaúcha) e de televisão (RBS TV Porto Alegre).

C-se – Você e mais um jornalista brasileiro estão no local, não é? Pode falar um pouco sobre a vantagem que vocês estão tendo frente aos repórteres de outros veículos brasileiros, que estão do lado de fora?
Rodrigo – Correto, eu e o Fabiano Maisonnave, da Folha de S. Paulo. A vantagem é estar no olho do furacão, no epicentro da crise. Conviver com o Manuel Zelaya e seus seguidores e auxiliares permitiu ver como ele transformou a embaixada brasileira em um pedaço de seu palácio. E como há privilégios e divisão de classes lá dentro. E pior: tentativas de intimidação da imprensa e censura. Em um caso específico, ele chamou todos nós jornalistas para reclamar de uma foto enviada pelo fotógrafo de uma agência de notícias e publicada em um jornal daqui. Na imagem, ele aparecia cabisbaixo e sozinho.

– Mandem fotos boas – Zelaya exigiu.

Seus assessores monitoram tudo o que sai na imprensa e depois iam na sala ocupada pelos jornalistas para cobrar explicações.

C-se – Existe o medo de que o prédio seja invadido pelo exército?
Rodrigo – Apesar de estar cercado por todos os lados – inclusive com acampamentos militares nos terrenos das laterais -, não acredito que seja invadido. Em nenhum momento pensei nisso. Seria uma grave violação do direito internacional. O que há é intimidação por parte dos militares, mas eles não farão isso.

C-se – Pode falar um pouco sobre as condições de trabalho?
Rodrigo – As primeiras 24 horas dentro da embaixada foram as piores. Acostumar-se a um local sitiado, dormir em um pedaço de papelão, usando a mochila como travesseiro, comer comida que os cachorros revistavam, comida esta que ficava horas no sol esperando a revista policial. Economizar água, tomar banho frio e se secar com papel higiênico. Assim foram os meus primeiros dias na embaixada. Depois, a gente vai se acostumando. Alguns dias, sem internet, ditei o texto mesmo quando estava fora da embaixada. Fiz isso no caminho entre El Salvador e Honduras. O fuso-horário, com três horas a menos, também é outra dificuldade. Toque de recolher, confrontos entre a polícia de choque e manifestantes, censura. Apesar dessas condições extremas (e os riscos dela), é muito legal como jornalista, uma baita experiência profissional. Estive cobrindo o furacão Katrina, em New Orleans, em 2005; duas vezes no Haiti; e a guerra entre Israel e o Hezbollah, em 2006; mas considero que esta cobertura em Honduras foi a mais difícil: ela me exigiu muito fisicamente e psicologicamente, coisas que às vezes nós, jornalistas, não nos preparamos.

C-se – Quebrando um pouco o clima: como foi recebida a notícia que o Rio será a sede da Olimpíada de 2016? Houve algum tipo de comemoração? A vitória é vista como uma carta a mais, já que o Brasil ganha importância e visibilidade mundial?
Rodrigo – O ministro Lineu Pupo de Paula, responsável pela embaixada, saiu de sua sala e anunciou. Alguns bateram palmas. Os ativistas do Zelaya foram os que mais festejaram. Eles festejam qualquer coisa sobre o Brasil, gostam muito do nosso país e, agora, por causa do apoio do Lula ao Zelaya, são fãs incondicionais. Entre nós, jornalistas, avaliamos que é mais uma demonstração de força do Brasil – e até nisso o Micheletti se deu mal (risos).